segunda-feira, 17 de junho de 2019

VINHO E MEDICINA

 Vinho e medicina na França 


Adega Histórica dos Hospícios de EstrasburgoDireito de imagemALAMY
Image caption

O médico grego Hipócrates, conhecido como o pai da medicina, fez experimentos com vários tipos de vinho para tratar doenças, acreditando que "o vinho é apropriado para a humanidade, tanto para o corpo saudável quanto para o corpo doente". Nos tempos modernos, nós aprendemos que devemos beber com moderação, mas, na França, um país cuja viticultura remonta ao século 5 a.C, "à votre santé" - ou "à sua saúde" - é um brinde que ressoa bem até no século 21.
Para aprender mais sobre a relação  entre vinho e medicina na França, eu visitei uma adega nas entranhas de um hospital medieval em Estrasburgo, cidade localizada, no leste do país. Thibaut Baldinger é o nome do gerente da adega que visitei.


VinhoDireito de imagemGETTY IMAGES
Image caption



Desde 1395, o Hospital Civil de Estrasburgo tem uma relação simbiótica com a Adega Histórica dos Hospícios, que fica exatamente embaixo do hospital: um literalmente não existiria sem o outro.  Segundo Baldinger: "Era uma prática comum na França, já que as vinícolas geravam renda para os hospitais e as adegas, que funcionavam como geladeiras enormes, eram os locais perfeitos para manter os vinhos na temperatura certa".

A coisa funcionava assim: Uma garrafa de Châteauneuf-du-Pape, por exemplo, seria a prescrição médica para o inchaço, enquanto uma garrafa do preferido do verão por aqui, Côtes de Provence rosé, era usado para tratar a obesidade.
Colesterol alto? Duas taças de Bergerac. Para herpes, era recomendado que os pacientes tomassem um banho de banheira com o adorável Muscat de Frontignan. Problemas de libido? Seis taças de Saint-Amour transformariam o paciente em um Don Juan na hora - curiosamente, duas jarras desse vinho também eram recomendadas para "problemas femininos".

AdegaDireito de imagemMELISSA BANIGAN/BBC
Image caption

"E quanto ao fígado?", perguntei. Baldinger riu: "Talvez alguns tratamentos funcionassem melhor que outros, Melissa. Disse ele".

Apesar dos tratamentos de vinho terem sido encerrados há várias décadas, a adega continua tendo um papel importante na produção de vinho ao continuar mantendo alguns dos melhores vinhos do país em troca apoia financeiramente o hospital. Em 1995, porém, a adega quase foi relegada aos livros de história devido ao que Baldinger chamou de "falta de lucratividade".
No final do século XX, a adega foi forçada a abandonar os barris gigantes de vinho envelhecido depois que uma lei do país - a Loi Évin - foi aprovada em 1991. A lei era rígida com o armazenamento de bebida em porões de estabelecimentos de saúde.

VinhoDireito de imagemMELISSA BANIGAN/BBC
Image caption

O antecessor de Thibaut Baldinger, Philippe Junger, tornou-se um verdadeiro defensor da adega ao organizar vinicultores da região, criando a Sociedade de Interesse Agricultor Coletivo - SIAC. O grupo de pressão encontrou formas de convencer parlamentares a manter a adega aberta ao falar de sua importância histórica.

Hoje, a adega produz 140 mil garrafas de Gewürztraminer, Klevener de Heiligenstein, Sylvaner e Riesling por ano, com uvas cultivadas por 26 parceiros diferentes. A adega não faz qualquer tipo de publicidade e tem apenas um site.
"Todo produtor de vinho parceiro dá uma pequena porcentagem de sua produção à histórica loja da adega como aluguel", diz Baldinger. Os lucros da parte da produção da adega são investidos na compra de equipamento médico para o hospital.

AdegaDireito de imagemALAMY
Image captionHoje, a adega produz 140 mil garrafas de vinho por ano


E quanto à história do primeiro vinho produzido pela adega? "Eu te mostro", diz Baldinger, ele puxa uma grande chave-mestre do seu bolso e abre o portão que nos leva ao Vin Blanc d'Alsace (Vinho Branco da Alsácia), que acredita-se ser o mais antigo vinho branco mantido em um barril.
Baldinger explica que esse vinho só foi provado três vezes: a primeira foi em 1576, quando os habitantes de Zurique enviaram uma quantidade enorme de alimentos a Estrasburgo para mostrar que a cidade daria assistência em caso de necessidade.

AdegaDireito de imagemMELISSA BANIGAN/BBC
Image caption

 Baldinger diz que Estrasburgo reagiu ao ato de bondade dando uma prova do famoso vinho da cidade aos enviados de Zurique.
A segunda prova aconteceu em 1718, durante a reconstrução do hospital após um incêndio devastador. Com provas do vinho foi comemorado o início da reconstrução do hospital.
A terceira e última vez foi em 1944. Durante a Segunda Guerra Mundial. Após o fim da guerra e pouco depois da libertação de Estrasburgo, o general Leclerc tomou um gole do velho vinho.

AdegaDireito de imagemALAMY
Image caption





VinhoDireito de imagemMELISSA BANIGAN/BBC
Image caption


E as uvas originais usadas no vinho? "Infelizmente, não sabemos", diz Baldinger. "Houve muita mutação ao longo dos anos, e muita mistura de uvas nas vinícolas".

Felizmente, há vários outros tipos de vinhos vintage para provar. Baldinger abriu uma garrafa de Gewürztraminer e nos deu uma boa quantidade para provar e degustamos com prazer. 
De fato, até 1990, duas taças desse líquido eram usadas para tratar infecções. Ao sair da adega, comprei uma garrafa desse "remédio" da Alsácia para minha família colocar no seu armário de remédios - ou mesa de jantar.